quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

(jan/2011) Fim da Crise, Bailout, LTRO


Bailout (13/01/2012)


Ainda com jet lag (i.e., tentando limpar a mesa de todo trabalho acumulado), mas não resisto a notar o que está acontecendo com a crise europeia. Na figura, os juros para diferentes maturidades da divida soberana da Itália (linha negra corresponde aos papéis dez anos, a laranja aos de cinco anos, a vermelha aos de dois e a azul aos de um).
Note como nas últimas duas semanas os juros curtos estão desabando. Três possibilidades:
1)      Havia múltiplos equilíbrios, e estamos voltando para o bom equilíbrio (não houve nenhum evento verdadeiro).
2)      O mercado está errado, entrou num otimismo e deixou de precificar corretamente a probabilidade de calote da Itália.
3)      O Banco Central Europeu, através da LTRO (empréstimos de longo prazo aos bancos, aceitando qualquer colateral) está fazendo um salvamento (bailout) implícito.
A minha favorita é a terceira. Depois elaboro.


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O Mais Discreto dos Bailouts (16/01/2012)

Ao menos aparentemente, a recente queda dos juros italianos de curto prazo deveu-se à operação de empréstimo realizada pelo Banco Central Europeu (BCE) dia 22 de dezembro, a chamada LTRO (long-term refinancing operation). Nesta, o BCE aceitava praticamente qualquer colateral, incluindo as dividas soberanas podres, em troca de Euros, e cobrando juros em torno de 1% por três anos (um haircut (corte) faz com que a taxa efetiva seja levemente superior ao 1% anunciado). Como resultado, os diversos bancos europeus captaram cerca de $500 bi euros, que ficaram depositados no próprio BCE.

Se e verdade que (i) os juros italianos caíram por causa disso, (ii) que o mercado não esta meio louco (e logo voltara a razão), (iii) que não há múltiplos equilíbrios (papo chato de economista), e (iv) que eu estou entendendo o que esta acontecendo, então esta havendo um bailout (salvamento) da Itália por parte do BCE. Como isso é possível, se não houve impressão de moeda para o público, não houve elevação de impostos ou corte de gastos? Dá para fazer parte de uma divida desaparecer assim tão discretamente?

Antes de mais nada, note-se que parte da dívida de fato desapareceu. Os títulos de 2 anos do governo italiano pagavam 6% ao ano, de acordo com os preços no mercado secundário. De repente, passaram a pagar 4%. (No caso dos títulos de 1 ano, a queda foi de 6% para 3%). Supondo há no mercado $400 bi desses títulos (20% da divida), houve o desaparecimento de cerca de $20 bi.

Na verdade, essa conta não está lá muito certa por estar considerando um mundo determinístico. Deixe me mudar para uma analise estocástica, mesmo sabendo que vou perder 90% da audiência. Antes da LTRO, o mercado cobrava 6% ao ano de juros da Itália (por um prazo de dois anos), enquanto somente 0% da Alemanha (pelo mesmo prazo). Supondo que a taxa de haircut, caso haja um calote italiano, seja 50% (para trazer a dívida para 60%) e algumas outras coisinhas (aversão ao risco nula, juros simples em vez de composto, etc.), isso significa que o mercado considerava que havia uns 25% de probabilidade de calote nesse prazo. Daí, por alguma mágica ocorrida recentemente, os demandantes desses títulos passaram a acreditar que a probabilidade deles receberem integralmente seus empréstimos para o Tesouro italiano subiu, de 75% para 85%. O fato dos juros de longo prazo terem permanecido aproximadamente constantes, e bem elevados, não muda esse fato, de que a probabilidade de calote no curto prazo caiu.

A mágica, entendo eu, é que junto com a LTRO o BCE passou a dar sua garantia aos bancos, que eles não irão quebrar (i.e., que serão salvos, se necessário). Ou, alternativamente, que o BCE esta permitindo que bancos que já estariam quebrados no caso de um calote italiano, endividem-se ainda mais, arriscando-se num tudo ou nada (“going for broke”). Em outras palavras, o BCE ira permitir que os bancos europeus comprem títulos soberanos podre em quantidade, inclusive podendo usar para isso os recursos captados recentemente (os 500 bi). Digno de nota, esse comportamento é radicalmente contrário ao que eu esperava, quando escrevi que o BCE não iria permitir esse tipo de ação.

Deixe-me explicar melhor. Suponha um banco bem alavancado e cheio de dívida soberana italiana em seus ativos. Se a Itália der calote, esse banco quebrará (i.e., suas ações virarão pó). O BCE então permite que esse banco duplique sua aposta em títulos italianos, que pagam 4% de juros, emprestando recursos sobre os quais cobra somente 1%. Se a Itália não der calote, o banco ganha 3% sobre toda a aposta adicional. Se der calote, o banco fica sem nada, o que já aconteceria inicialmente, de qualquer maneira. Houve, assim, uma transferência de recursos do BCE para o banco, no sentido estocástico.

O mais bonito é que também esta havendo uma transferência para o Tesouro italiano. Quando o BCE deu esse presente para os bancos, sua demanda por títulos italianos aumentou, e eles acabaram comprando os títulos por um preço mais baixo que o inicial (i.e., houve um deslocamento da curva de demanda para direita). Por isso que os juros caíram.

Caso, no final, não haja calote da Itália, os bancos que compraram essa dívida ganharão uma bolada, e o bailout terá desaparecido, isto é, e como se não tivesse ocorrido. Por outro lado, caso no final a Itália acabe dando calote na sua divida, o BCE vai ter que arcar com esse bailout, quando estiver salvando os bancos. Neste caso, com o calote os juros sobre os títulos soberanos ficarão muito maior (os preços muito menores), e o BCE terá que colocar uma montanha de dinheiro na mesa, para reequilibrar seu balanço. Só nesse momento, e caso isso ocorra, é que a impressão monetária irá ocorrer. 

Eu fico me perguntando, será que a Alemanha (diga-se, os membros passados e atuais do Bundesbank) não notou o que esta acontecendo?


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Alguns Aspectos Técnicos (16/01/2012)

Talvez você não tenha apreciado o exemplo do banco já quebrado no post anterior, achando que a existência desses não é empiricamente relevante. Mas note que é possível chegar ao mesmo resultado se considerarmos que bancos não quebrados estão recebendo garantias que não quebrarão.

 A ideia é que se um desses bancos quebrasse atualmente, não somente suas ações virariam pó, mas parte de seus títulos também tomariam um corte (haircut). Com a LTRO, o BCE estaria garantindo que se os bancos comprarem títulos soberanos podres, não haveria um corte (adicional) sobre seus títulos. Essa promessa não esta sendo feita explicitamente, mas fica implícita nos discursos em que sugere aos bancos comprem títulos soberanos podres. Note-se, nesse arranjo também aparece a mesma assimetria na compra de títulos pelos bancos: se der certo o banco ganha, se der errado o BCE perde.

Outro aspecto interessante é que os novos juros italianos já não refletem diretamente a probabilidade da Itália dar calote. Eles fazem sentido dentro do problema de maximização dos lucros dos bancos, que estariam quebrados de todo jeito, e viram suas restrições alteradas. Não é necessário que a probabilidade de calote tenha caído para (De fato, é ate possível construir um exemplo em que a probabilidade de calote não caiu consistente com a queda de preço). Dito isso, eu acredito que a probabilidade de calote caiu, e substancialmente.


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Reservas Paradas no BCE e Falácia da Composição (18/01/2012)



Estou realmente me superando nos títulos dos posts. Não sei quem se sente motivado a ler algo que começa desse jeito. Mas o ponto que quero fazer, acredito, ate que é bem legal.

Tenho lido em alguns relatórios que a LTRO, a operação de empréstimo do BCE (Banco Central Europeu) aceitando qualquer colateral, não está tendo um efeito importante. Isto porque as reservas depositadas no BCE pelos bancos que tomaram os empréstimos estão constantes. Em outras palavras, os bancos não estão fazendo nada com o dinheiro conseguido, além de depositá-lo de volta no BCE.

Eu discordo disso. Para mim, esta análise está cometendo o erro da falácia da composição.

Mesmo que um banco esteja usando os recursos tomados do BCE e, por exemplo, emprestando-os para a construção de uma ponte, a quantidade de reservas no BCE ficaria (aproximadamente) constante. Isto porque a empresa que estiver pegando o dinheiro desse banco irá depositá-lo em outro banco. E este outro banco, por sua vez, irá depositá-lo no BCE. Poderá haver multiplicação monetária (aumento de M1), mas a base monetária irá ficar constante. Em outras palavras, é uma consequência da identidade do balanço do BCE que as reservas criadas com a LTRO fiquem constantes. (Eu estou desprezando o dinheiro que fica em poder do público, que são quantitativamente irrelevantes nesse caso).

Mas então, onde é que podemos ver os efeitos da LTRO? A teoria é que essas reservas comecem a coçar na mão de quem as tem, por não renderem nada. Daí, no processo individual de tentar livrar-se delas, há um aumento da sua oferta (da curva de oferta, não da quantidade ofertada, que acabará ficando constante). Equivalentemente, há um aumento da demanda por outros ativos, que rendem mais do que essas reservas. Como consequência, o preço desses ativos irá subir. E o valor real dessas reservas irá cair.

De que ativos estamos falando? Vale tudo, até o índice geral de preços alguma hora, se essas reservas não forem esterilizadas pelo ECB (pelo menos essa é a Teoria, e eu ainda acredito nela). No curto prazo, deveríamos ver os preços dos títulos subindo, seus juros caindo. E, ops!, é isso mesmo que estamos vendo.

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LTRO = QE (19/01/2012)

Em teoria não, mas na pratica parece que sim.

Na teoria, QE (Quantitative Easing) não envolve a internalização de risco de credito por parte do banco central. Ele deveria trocar dinheiro somente por papeis sem risco (os AAA, na época que essas letras significavam alguma coisa). Na pratica, contudo, o QE dos Estados Unidos envolveu a compra por parte do FED (Federal Reserve System) de um monte de hipotecas com risco. (Por outro lado, é verdade que no caso do Banco da Inglaterra isso não ocorreu, e que o próprio FED acabou lucrando com a operação).

O LTRO (Long Term Refinancing Operation) europeu foi bolado para aceitar títulos soberanos podres como colateral, diga-se, internalizar risco de credito. Por outro lado, ele foi feito através de uma operação de REPO (repurchase agreement), que originalmente também só eram utilizadas quando o colateral é AAA.

Em teoria, uma REPO e desfeita caso haja um evento de credito. Em outras palavras, caso a Itália de um calote, o BCE devolveria os títulos podres aos bancos, e esses devolveriam as reservas ao BCE. Mas pratica, entendo eu, isso não aconteceria. Ao devolver o credito podre para os bancos, eles quebrariam, e como BCE não deixaria os bancos quebrarem, ele pegaria esses papeis de volta.

Já que tem tanta letra rodando pelo post, lembre-se que o SMP (Securities Market Programme) sempre foi uma operação “perpétua” de compra de papeis com risco. Nela o BCE compra de fato os títulos podres, diferentemente de um REPO. Mas o tamanho do SMP tem sido inferior a 10bi por semana (vide figura), e nem estava fazendo cócegas nos preços.

É interessante que quando o SMP começou, ainda com a compra de títulos gregos, discutia-se muito o fato do BCE estar cruzando o Rubicão, por colocar risco em seu balanço. Lembra da gritaria dos alemães? Agora, com a LTRO, o BCE realmente chegou com seus exércitos até Roma. Mas o BUBA (Bundesbank) está quieto.


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Trilema de um (24/01/2012)

Por culpa do Guizzo fui ler o artigo do Pisani-Ferry:

Se entendi, o argumento é que há três condições que não podem coexistir (Presumivelmente, por que se elas coexistirem algo de ruim irá passar. Mas, no caso da União Europeia, todas estão presentes):

i)                 Não há corresponsabilidade da divida publica, i.e., cada pais é responsável por sua própria divida.

ii)                Não é permitido financiamento monetario, i.e, o Banco Central comprar titulos soberanos (monetizando a divida)

iii)               Interdependência entre soberanos e bancos, i.e., os soberanos tem que socorrer seus bancos, caso eles quebrem e os bancos seguraram as divida de seus soberanos em seus balanços.

Eu penso na crise do subprime. Em minha opinião os EUA têm somente a 3a condição presente. Afinal, ele é “corresponsável” pela sua própria divida e o Fed pode e comprar títulos do Tesouro (no mercado secundário). No entanto, devido ao soberano ter de socorrer instituições "too big to fail" - que é uma versão melhorada da terceira condição -, a crise acabou acontecendo.

Trilema de um é pior que dupla de dois. Mas recomendo a leitura.


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Dois Testículos (26/01/2012)

Hat tip Genta, esse do De Grauwe:

http://www.ceps.eu/book/mispricing-sovereign-risk-and-multiple-equilibria-eurozone

O argumento, é que como dívida sobre PIB não explica estatisticamente o CDS então há múltiplos equilíbrios. Lamentável. Quando ele submeter o artigo para a Estudos Econômicos vou dar pau antes mesmo de mandar para um parecerista.

Para compensar, este abaixo do Simon Johnson:


Discordo, mas gostei porque me forçou a fazer várias reflexões e levantou novas dúvidas. Acho que vou voltar a ler o baseline scenario, apesar do James Kwak.

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Crise de Balanço de Pagamentos na Europa (01/02/2012)


Desde o bailout, fico incessantemente buscando o que pode dar de errado na Europa, algo que não esteja percebendo. Esbarrei numa teoria interessante da Gavekal, que argumenta que a Europa ruma para uma inevitável crise de Balanço de Pagamentos.

Curiosamente, eles não estão falando do desbalanço entre Alemanha e Itália, mas entre Europa e Estados Unidos. O argumento é que Itália, França, Portugal e outros vão ficar cada vez menos competitivos, e vão ter seus déficits comerciais em US$ cada vez maiores. O BCE resolveu o problema de funding em Euros, mas não em Dólares, pois, afinal, não tem uma máquina de fazer moeda verde.

Por enquanto o Fed ajudou aos soberanos periféricos europeus, com sua linha de swap, que atualmente chega a $100 bi (vide figura). Mas alguma hora a exposição ao risco de solvência para o Fed ficará insustentável. O congresso americano irá forçar o Fed a parar de ajudar a Europa, que sofrerá uma crise clássica de balanço de pagamentos.

Eu pessoalmente acho que (i) o câmbio (Euro contra Dólar) é flexível, (ii) a linha de swap do Fed visa somente resolver uma imperfeição temporária no mercado futuro, (iii) em termos agregados a Europa tem menos problemas de Balanço de Pagamentos que os EUA. E, como consequência, também acho que o pessoal da GK está viajando na maionese.



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