quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

(dez/2011) A ruptura do Euro é inevitável (partes 1 a 4)


As discussões sobre a inexorabilidade da quebra do Euro reapareceram em conversas entre economistas e investidores. Meio estranho voltar a esse tópico, talvez seja porque estamos todos analisando a efetividade das propostas que estão aparecendo. 


O argumento básico é que está havendo uma divergência entre os países Europeus, e que seria impossível fazer a Grécia virar a Alemanha. O gráfico favorito do JPMorgan é mostrar o que aconteceu com a Produção Industrial da Itália com relação a Alemanha após a União (Na figura abaixo eu também inclui França e Espanha). A explicação é que enquanto a Alemanha teve uma redução salarial (em termos reais), que não foi acompanhada pelos países mediterrâneos. Com isso, a Alemanha tornou-se bem mais competitiva. 




A mesma lógica aparece se olharmos o câmbio de equilíbrio dos diferentes países. Para a Alemanha o Euro estaria desvalorizado (competitivo) enquanto para a Grécia o Euro estaria extremamente caro. Ou então se olharmos as Transações Correntes, muito positivas para a Alemanha e muito negativas para a Itália.


Levando o argumento no limite, Martin Wolf conclui que a culpa da crise seria da Alemanha. Que ela é que tem se beneficiado da União Europeia, e ela que deve ceder, depreciando o Euro. Alternativamente (e meio que contraditoriamente), o Euro estaria fadado à ruptura, pois seria fútil tentar fazer Grécia convergir à Alemanha.


Eu discordo desses argumentos. Mas não pela razão que você provavelmente imagina. Volto depois para lhe explicar.


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Em minha opinião, se as condições fiscais de Maastricht fossem satisfeitas (déficit público máximo de 3%, dívida pública máxima de 60% do PIB), a União Monetária Europeia ficaria de pé. Isso não significa que ela seja uma “união monetária ótima” no senso de Mundell (1967) ou Alesina e Barro (2002). Provavelmente os países estariam melhores, economicamente falando, se nunca tivessem unido suas moedas. Mas essa é uma questão diferente. A “besteira” já foi feita, e a pergunta é se agora a separação é inevitável. (As aspas porque pode até ser uma besteira se o critério for econômico, mas não é no ideológico e político, que foram os verdadeiros motivadores).
Vou rebater os principais argumentos contrários à união, que motivam a visão da inexorabilidade da ruptura:
1)      Falta de similaridade (Grécia é muito diferente da Alemanha). É verdade, mas São Paulo também é bem diferente do Piauí, não está havendo clara convergência entre os dois (artigos do Pedro Cavalcanti e Roberto Ellery), mas eles estão na mesma união monetária.
2)      Sincronia dos choques (Há períodos em que a Alemanha está indo bem, enquanto a Grécia está indo mal, e ambas tem o mesmo juro básico). Meu vizinho de baixo acabou de perder o emprego. Ele prefere que o Banco Central do Brasil (BCB) reduza os juros para estimular a demanda e melhorar o mercado de trabalho. Eu, em contraste, ainda tenho meu empreguinho na USP, e prefiro que o BCB suba os juros, pois estou preocupado com a inflação, que está comendo meu salário. Mas infelizmente, meu prédio inteiro está sob a mesma política monetária.
3)      Déficit comerciais ou Contas correntes não nulas (enquanto o Euro está fraco para a Alemanha, ele está excessivamente forte para a Grécia. Por isso, a Conta Corrente de um é superavitária, e do outro deficitária). Dá também para usar o exemplo do meu vizinho, agora que eu lhe emprestei uma grana.
Na parte 3 digo porque o Maastricht é tão fundamental.


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Se não ficou claro, meus argumentos sob a viabilidade do Euro são quantitativos e não qualitativos. Se o problema não for grave o suficiente, no sentido de criar uma grande confusão, uma enorme queda do PIB, a União pode não ser ótima, mas se sustenta. Eu considero que as condições de Maastricht são fundamentais por evitarem este tipo de evento catastrófico. (Note que estou deliberadamente abandonando argumentos qualitativos, baseados somente em lógica pura. A Argentina nos mostrou que até um Currency Board pode ser quebrado).
Para evitar eventos economicamente catastróficos, o fundamental é evitar que alguém grande quebre. O Maastricht é necessário para que nenhum soberano atinja uma situação de endividamento que o leve a bancarrota. Se a Itália acabar dando o calote você vai ver do que estou falando.
Em contraste, caso agentes privados (pequenos) se endividem e quebrem, não há problema algum. Por isso eu dei exemplos do meu vizinho no post anterior. Generalizando um pouco, se a Alemanha tem um imenso superávit comercial com a Grécia, mas este é devido a milhares de transações privadas, entre diferentes filósofos alemães e filósofos gregos, não vejo porque me preocupar.
Talvez você tenha se lembrado dos bancos grandes, aqueles que se quebrarem têm consequências sistêmicas para o sistema financeiro. É verdade, eles podem causar um evento economicamente catastrófico. Por sinal, eu me lembro de um desses, há nem tanto tempo atrás. Mas tenho certeza que você concorda comigo que não teve nada a ver com o fato dos EUA serem uma União monetária.
Mas chega de nhê, nhê, nhê. Eu volto amanhã com algo mais prático.


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Tive um par de comentários tão bons que não resisto a continuar com o tema.
Antes, preciso enfatizar que meus argumentos refletem minha opinião quantitativa, não são argumentos “lógicos”, no sentido da inexorabilidade matemática. Assim, não vejo nada de errado em você discordar de mim. (Só veria se dissesse que é possível quebrar algo indestrutível, como um Currency Board. Lembre-se da Argentina...).
O comentário do Dudu é que os desequilíbrios de Conta Corrente no Euro foram devidos a problemas de moral hazard. Os alemães emprestaram mais do que deviam para os gregos porque entendiam que seriam salvos. Eu não acho que foi isso. Eu acho que eles realmente acreditavam que os periféricos tinham elevadas taxas de retorno, e erraram. E eu não sei se eles serão salvos.
Mas meu melhor argumento contrário é que o melhor exemplo de moral hazard criando desequilíbrios cambiais que conheço é aquele em que as empresas se endividam em moeda estrangeira. Você sabe, aquela história das empresas “sadias”, e da literatura de balance sheet crisis. O ponto é que isso ocorre independentemente de haver união monetária, e é até mais grave pelo fato do câmbio ser supostamente flutuante.
O outro comentário, do Genta, é sobre equilíbrios múltiplos (volto depois a isso) e sobre os casos da Irlanda e Espanha. Esses países supostamente foram os melhores alunos do Maastricht e agora estão na berlinda. Será que o culpado é o próprio Maastricht?
Sem querer sair pela tangente, meu argumento era que o Maastricht deveria ter sido satisfeito desde o primeiro instante. Isto é, antes de se unir qualquer país já devia ter dívida abaixo de 60% do PIB. Caso contrário, estaria sujeito a problemas durante o período de convergência. (E o mesmo tipo de problema acontecerá no futuro, agora que as dívidas subiram).
Outro ponto é que a Irlanda não foi tão boa aluna assim. Seus bancos estavam quebrados, cheios de hipotecas durante uma bolha imobiliária, igualzinho aos EUA. Quando esses bancos quebraram, e foram estatizados, a dívida pública aumentou em 40% do PIB. E o grande medo é que na Espanha teremos os mesmos problemas, quando e se as cajas começarem a quebrar.

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